A responsabilidade civil é indubitavelmente um dos temas jurídicos de maior complexidade e relevância no mundo moderno, e vem despertando debates jurídicos apaixonantes tanto ao nível de primeiro como de segundo grau, sendo prova disso a vastíssima literatura jurídica sobre o inesgotável tema, e a extraordinária freqüência com que os tribunais são chamados a decidir conflitos de interesses nessa área.
No campo das ciências médicas, as ações decorrentes da atuação desses profissionais e dos hospitais, que antes eram raras em nossa Justiça, estão se tornando cada vez mais freqüentes. Talvez em razão da má qualidade do ensino de um modo geral e dos péssimos serviços prestados, principalmente, pelos hospitais públicos; talvez pelo aumento da procura desses serviços por
parte da população em geral, cada vez mais doente; talvez, ainda, por ter o cidadão uma maior consciência de seus direitos e encontrar mais facilidade de acesso à Justiça, notadamente após o advento do Código de Defesa do Consumidor.
A natureza jurídica da responsabilidade médica no passado foi muito discutida: se era contratual ou extracontratual; se gerava obrigação de meio ou de resultado. Todavia, após o advento do Código de Defesa do Consumidor essas discussões perderam a relevância. Hodiernamente a responsabilidade médica/hospitalar deve ser examinada por dois prismas distintos. Em primeiro
lugar aquela decorrente da prestação de serviço direta e pessoalmente pelo médico como profissional liberal. Em segundo lugar aquela derivada da prestação de serviços médicos de forma empresarial, aí incluído hospitais, clínicas, casas de saúde, bancos de sangue, laboratórios médicos, etc.
Em se tratando de responsabilidade pessoal do médico, segundo Sérgio Cavalieri Filho (Programa de Responsabilidade Civil, p. 371. Malheiros, 2004), a avença celebrada entre o profissional da medicina e o paciente é um contrato sui generis, e não de mera locação de serviços. A natureza jurídica de contrato sui generis leva o aplicador do direito perante o caso concreto a uma questão transcendental inerente a descobrir se a obrigação gerada pela avença é de resultado ou de meio. E assim é porque,
apenas no primeiro caso – obrigação de resultado – a culpa é presumida, devendo ser provada no segundo, tal como na responsabilidade delitual.
A experiência diária tem demonstrado que os julgadores, em geral são rigorosos na aferição da culpa médica. A culpabilidade, penso, somente pode ser presumida na hipótese de ocorrência de erro grosseiro, negligência ou de imperícia, devidamente demonstrados. Se os profissionais se utilizam de sua vasta experiência e dos meios técnicos indicados, com os habituais cuidados pré – e pós-operatórios, somente uma prova irretorquível poderá levar à indenização pleiteada.
Nenhum médico, por mais competente que seja, pode assumir obrigação de curar doente ou salvá-lo, mormente quando em estado grave ou terminal. A ciência médica, apesar de toda a evolução científica a ela inerente, tem inúmeras limitações, que só os poderes divinos poderão suprir, de sorte que não é razoável exigir-se do médico que seja possuir de tais atributos.
Se, a obrigação assumida pelo médico foi de meio e não de resultado, e se o tratamento realizado não produziu o efeito esperado, não se há de falar, por isso, em inadimplência contratual. Esta conclusão, além de lógica, tem o apoio de todos os doutrinadores, nacionais e alienígenas (Aguiar Dias, Caio Mário, Silvio Rodrigues, Cavalieri Filho, Antônio Montenegro, Carlos Alberto Gonçalves, George Ripert, Mazeud & Mazeud) e é também consagrada pela
remansosa jurisprudência.
Dentro do contexto forçoso é reconhecer-se que a responsabilidade médica contratual de meio, é subjetiva e com culpa provada. Não decorre de mero insucesso no diagnóstico ou no tratamento, seja clínico ou cirúrgico. Caberá ao paciente, ou aos seus herdeiros, demonstrar que o resultado lesivo à saúde ou funesto do tratamento teve por causa a negligência, imprudência ou imperícia do médico. O CDC manteve nesse ponto a mesma disciplina do art. 1.545 do Código Civil de 1916, que corresponde ao art. 951 do novo CC.
Finalmente é de ser ressaltado que embora o médico seja um prestador de serviços, o Código de Defesa do Consumidor, no § 4º do seu artigo 14, abriu uma exceção ao seu sistema de responsabilidade objetiva, ao comandar que:
“A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”. Assim, não se pode olvidar que a exceção só abrange a responsabilidade pessoal do médico, jamais a pessoa jurídica (hospital/clínica) na qual ele trabalhe como empregado ou faça parte da sociedade. À pessoa jurídica a responsabilidade será sempre objetiva.
JOSIVALDO FÉLIX DE OLIVEIRA
Juiz de Direito – Especialista em D. Civil – Prof.º do UNIPÊ