A Revista Semanal Isto É, de 29 de julho de 2020, ano 43, número 2637, traz em sua matéria de capa a “Cultura da Autoridade – Você Sabe com Quem Está Falando?”, das páginas 30 até 35, em resumo, destacam essencialmente três casos em que pessoas de elevado status socioeconômico fazem uso da famosa “carteirada” diante da intervenção de agentes públicos municipais ou estaduais.
Silva W. (2009, p. 121, grifo nosso), analisando os resultados de seu questionário quando pesquisou quais os fatores que mais complicavam o atendimento de ocorrências não criminais ou de menor potencial ofensivo em João Pessoa, expressou-se da seguinte forma:
Quando perguntados quais os fatores que mais complicam suas intervenções
nas ocorrências, os policiais responderam que são os seguintes (Tabela 15):
envolvimento de outros policiais (civis, federais e/ou militares,
sobretudo superiores hierárquicos), na condição de infratores, com
32,5%; envolvimento de amigos de superiores hierárquicos, na
condição de infratores, com 16,7%; envolvimento de autoridades
(políticas e judiciárias), na condição de infratores, com 15,6%;
envolvimento de pessoas com elevado poder aquisitivo e/ou nível de
escolaridade, com 12,5%; pessoas embriagadas ou drogadas, com 5,8%;
pessoas confusas ou perturbadas mentalmente, com 5,5%; pessoas armadas
(arma de fogo ou arma branca), com 4,3%; envolvimento de menores
infratores, com 3,6%; lutador de artes marciais, com 1,7%; pessoas com
baixo nível de escolaridade, com 1,2%; e falta de infraestrutura e condição
social, com 0,5%.
A pesquisa de Silva (2009) foi reproduzida por este autor em 2014 como parte do trabalho de conclusão do programa de doutorado profissional em ciências policiais de segurança e ordem pública. Dessa forma, alcançamos o total de 221 policiais militares pesquisados (Soldados, Cabos, Sargentos ou Subtenente), que exerciam suas atividades exclusivamente na atividade-fim da Polícia Militar da Paraíba, e serviam nas Organizações Policiais Militares (OPMs) da Região Metropolitana de João Pessoa (CPRM).
Nesse sentido, buscamos além de averiguar os percentuais de concordância com essa afirmativa, cinco anos depois da pesquisa inicial, também, encontrar os possíveis fatores que levavam os policiais militares a esse temor ou insegurança. O policial militar pesquisado nesta questão tinha, à época, as opções que variaram de
“Discordar totalmente” até “Concordar totalmente”, conforme se vê na tabela seguinte.
Pelos percentuais expostos na tabela acima, constata-se que, mesmo decorridos cinco anos e com policiais militares diferentes sendo pesquisados, os fatores apontados como complicadores nas ocorrências permanecem com um nível de concordância expressivo, a julgar pelo índice de 95% entre as respostas “Concordo
parcialmente” e Concordo totalmente.”
Surge, então, uma questão pertinente: mesmo não havendo registro do emprego de agressão física ou de arma de fogo por parte dessas pessoas contra o policial militar (paraibano em particular), portanto não oferecendo risco iminente à sua vida, quais os fatores que influenciam para esse “receio” entre os law enforcement (com destaque para os paraibanos)?
Assim, para investigar com mais especificidade as origens dessa insegurança por parte do policial militar paraibano, em particular os de menor nível hierárquico funcional do serviço de policiamento ostensivo, formulamos outra questão em que orientava o pesquisado no sentido de, caso concordasse com a afirmativa oriunda da pesquisa de Silva W. em 2009, com destaque para os quatro primeiros fatores, apontasse as possíveis causas para o aludido fenômeno.
Dos 221 policiais militares pesquisados, 162 deles colocaram as suas opiniões de forma subjetiva para responder o questionamento acima mencionado, perfazendo um percentual de 73%, ou seja, no caso em que concordassem com os quatro primeiros fatores (Envolvimento de outros policiais; Envolvimento de amigos de superiores hierárquicos; Envolvimento de autoridades; Envolvimento de pessoas com elevado poder aquisitivo e/ou nível de escolaridade).
Para analisar as respostas subjetivas colocadas nessa questão, buscamos agrupar por similaridade de expressões ou sentido, utilizando-se para isso as palavras mais empregadas. Assim, as expressões “falta de conhecimento/capacitação/treinamento”, “perseguição” e “represálias” foram as mais recorrentes para justificar a insegurança do policial militar, diante das referidas pessoas que contribuem para complicar o atendimento das ocorrências não criminais ou de menor potencial ofensivo.
É bem comum nas ocorrências de elevado risco imediato para a vida dos policiais militares, a exemplo de roubo a banco com criminosos portando armas características de emprego em guerras, a presença de dezenas deles (equipes) sem, numa primeira visão, nenhum temor ou “complicação.” No entanto, uma equipe de serviço ao se deparar com uma ocorrência sem “gravidade” ou maiores riscos à vida, como no cenário de uma autoridade sob efeito de bebida alcoólica tentando se livrar de uma abordagem de rotina nas chamadas “Operação Lei Seca”, tenha algum tipo de temor ao ponto de, imediatamente, solicitar a presença de um superior hierárquico
no local para uma melhor gestão do caso.
Por fim, estamos diante de uma reflexão: o policial militar, em geral, teme mais a “caneta” de uma autoridade constituída ou pessoa com elevado poder econômico quando comparada com as “balas” dos criminosos violentos que podem ceifar a sua vida instantaneamente? A boa comunicação (verbal e não-verbal) é capaz de superar
o “canhão” da arrogância e prepotência de alguns reles mortais?
E você, “sabe com quem está falando?”
Referências
OLIVEIRA, Onivan Elias de. A Influência da Programação Neurolinguística na Segurança Verbal do Policial Militar da Paraíba no Atendimento das Ocorrências Não Criminais ou de Menor Potencial Ofensivo: a atuação em João Pessoa. 2014. 182 f. Tese (Doutorado em Ciências Policiais da Segurança e Ordem Pública) – Centro
de Altos Estudos de Segurança da Polícia Militar do Estado de São Paulo. São Paulo, 2014.
SILVA W., França da. Políticas, Procedimentos e Práticas da Polícia Ostensiva no Atendimento às Ocorrências Criminais de Menor Potencial Ofensivo e às Não-Criminais: um estudo sobre a atuação da Polícia Militar da Paraíba em João Pessoa. 2009. 234 f. Tese (Doutorado em Ciências Policiais da Segurança e Ordem Pública) – Centro de Altos Estudos de Segurança da Polícia Militar do Estado de São Paulo. São Paulo, 2009.
Onivan Elias de Oliveira
Tenente Coronel da Polícia Militar do Estado da Paraíba