A maioria das pessoas pensa que política é resumida àquela propaganda que se faz na época da eleição; depois tudo volta ao sossego e aos horários normais dos programas no rádio e televisão. Nessa hora muito dos súditos se desligam dos assuntos políticos; é então que as coisas começam a acontecer de verdade e a grande massa fica sem compreender as verdadeiras razões dos seus problemas.
A eleição é apenas uma etapa, nem sempre a mais importante, no processo que tem como alvo o poder político em qualquer de suas esferas. O poder, por seu turno surge como afirma Gabriel Chalita, “da necessidade de se organizar e ordenar a busca pelo bem comum”.
O poder, como objeto de estudo e aplicação da política não consiste só de cargos públicos, eletivos ou não. O poder do Estado, que tem sua concretude nos órgãos do governo, é apenas um, entre vários, que atuam no âmago da sociedade e nas relações externas do Estado membro e da Federação.
Está incrustado na concepção de nosso povo o dogma de que o importante para muita gente é vencer, porque o vencedor recebe as glórias do poder e, com ele, o crédito da verdade.
Quando uma teoria cientifica não permite atingir os objetivos que os agentes políticos têm em mente, eles recorrem à trapaça, à fraude, à mentira, à demagogia, etc. Quando esses meios falham, eles usam a violência para destruir o que não sabem ou não são capazes de controlar.
A sistematização da política como disciplina científica não eliminou as práticas viciosas, mas ao contrário aperfeiçoou e sofisticou o seu uso, disfarçando-a, qual o camaleão, com os vernizes da civilização.
Quando Alexandre, o Grande, foi desafiado a desatar o nó górdio para demonstrar sua inteligência e habilidade, ele fugiu ao ridículo do fracasso empunhando a espada com a qual cortou a corda. Admiradores precipitados, bajuladores de plantão, da época e de sempre; até hoje não cessam de aplaudir o gesto de força bruta como se fosse uma atitude espirituosa. Não se detêm na análise do significado desse gesto. Se de um lado revela alguém que não se detém diante das dificuldades, mas de outro demonstra uma idiossincrasia que obsta uma análise mais detalhada do problema, em busca de uma solução não violenta.
Nicolau Maquiavel, o grande iniciador da política moderna, deslizou tantas vezes no terreno da trapaça e da violência, que seu nome ficou muito mais relacionado com as práticas viciadas (maquiavelismo, maquiavélico, etc.) do que mesmo com as virtudes do saber cientifico que desbravou. A título de ilustração observe-se trecho do seu “Discurso ao papa Leão X, sobre a eleição no Conselho dos Mil”, e que parece tão bem-feita para os dias atuais da era de aquário, de urnas eletrônicas e de fake news: “E para que vossos partidários tenham a certeza de estar nas urnas eleitorais quando se trate de apelar aos sufrágios no Conselho, Vossa Santidade pode designar oito escrutinadores, que, contando os votos secretamente, possam fazer recair a eleição em quem eles queiram”.
Mas deixando de lado o empirismo e fundamentos históricos do legado do filósofo florentino, na verdade não existem mistérios na política para os que queiram devassar os seus segredos criados artificialmente e que em muitos casos só atendem ao sucesso de muitos indignos da representação popular, bem assim daqueles que inobstante terem chegado ao poder pela via do concurso público ou outro meio qualquer, se prestam a práticas espúrias, nivelando-se por baixo àqueles indignos alhures citados.
Em consonância com a observação da realidade diária dos fatos, poderíamos conceituar a política como sendo: “A arte de conquistar e manter o poder”. É com essa finalidade que se disputam eleições, promoções, concursos, prestígio pessoal, etc. O acesso a alguma forma de poder, diretamente ou através de pessoas ligadas a ele, é a condição primeira para realizar outros objetivos, sejam nobres ou mesquinhos, pessoais ou coletivos.
Os que se lançam numa disputa eleitoral ou concursal pretendem indubitavelmente conquistar uma parcela do poder, ou manter a que já possuem. Essa é a única verdade insofismável, à única certeza que se pode ter das intenções dos candidatos a cargos eletivos ou não, que seja no Legislativo, no Executivo ou no Judiciário.
Na seara do Legislativo e Executivo, isto é, o da política partidária, a atividade não é desenvolvida pelos indivíduos isoladamente, eles atuam em grupos e, oficialmente, fazem-no através de organismos especializados denominados partidos políticos. Difere assim do campo de atuação do Judiciário que, como é de conhecimento geral, o ingresso no poder, dá-se pela via do concurso público ou de acesso pelo quinto constitucional.
A fragilidade das instituições transparece no âmbito do Legislativo e Executivo à medida que a existência de um partido político depende muito da força e do prestígio de um único indivíduo que o comanda. Temos exemplos, no passado e no presente da história brasileira, de caciques e caudilhos conhecidos como donos absolutos de partidos fundados exclusivamente para ajudá-los a atingir suas ambições pessoais, que se manifestam na fome desmedida pelo poder.
Não é diferente o que ocorre no âmbito do Judiciário na luta, quase autofágica, e por que não dizer insana no exercício do poder. Esse exercício de poder às vezes conflitante às vezes subserviente não serve a ninguém a não ser como afirma Zaffaroni, “aos sucessivos stablishments que têm procurado valer-se politicamente dos poderes judiciários ou pelos menos, de neutralizá-los para que não perturbem o seu exercício de poder”.
Nunca é demais repetir, porque no ordenamento Pátrio estandardizado está, o fato de que todas as Constituições proclama a independência do Poder Judiciário, mas nenhum dos stablishments se preocupou de realizá-la. A submissão política descarada, no pior dos casos, e a burocratização, no melhor, foram as regras dos partidos políticos tradicionais e das ditaduras militares e por que não dizer, de alguns de nossos governantes atuais.
A fragilização do Judiciário também exsurge forte à medida que os operadores das agências políticas estão melhores treinados do que os juízes, no que diz respeito à manipulação da opinião pública. Isto lhes permite repassar conflitos, gerando falsas expectativas de solução no âmbito do Judiciário. Alguns juízes, de sua parte, freqüentemente satisfazem ao seu narcisismo na medida em que, por lhes serem transferidos graves conflitos sociais, se sentem projetados ao centro da atenção pública. Deste modo, não percebem que estão carentes de atuais expectativas, as quais em seguida gerarão frustrações.
Diante da frustração se produz a deterioração da imagem pública do Poder Judiciário, o que legitima qualquer sacrifício das garantias e dos direitos, daí lembrar Zafaroni : “Aberrações jurídicas como os chamados ‘juízes sem rostos’ são produtos desses processos”.
Mas o pior de tudo é que geralmente esses tipos personalistas não são estadistas de grande porte nem capazes de guiar o povo e os jurisdicionados no norte de novos horizontes. Em regra são dotados de uma visão muito estreita de poder, limitada ao âmbito de um segmento social ao qual pertencem; por isso os líderes personalistas contemporâneos não são capazes de reproduzir na imaginação e, muito menos, mobilizar a totalidade das forças que poderiam transformar o país numa grande nação.
Outras indicações de fragilidade no campo das organizações político – partidárias consubstancia-se na excessiva mobilidade dos políticos de um partido para outro, revelando a falta de convicção nas pessoas e a inconsistência das agremiações.
Recrudesce a fragilidade institucional à medida que exsurge um número excessivo de partidos políticos, que na maioria dos casos não passam de legendas ou siglas eleitorais, legalizadas, mas sem conteúdo político – doutrinário, cujo destino é o aluguel para satisfação e gáudio de inescrupulosos, que para chegarem ao poder praticam todo tipo de negociata, sob os mais variados e absurdos argumentos.
A maioria desses aventureiros nada tem de útil para dizer ao povo, mas além de promover-se para futuras eleições, negocia o tempo disponível para propaganda através de coligações com outros candidatos e não raro, quando eleitos, se submetem à outras negociatas vis, entabuladas nas madrugadas e guetos da malandragem, onde puxar o tapete do antigo correligionário, mediante a compra e venda de consciências é coisa natural.
Seria um exagero, se não um erro infantil, pensar que muitos desses aproveitadores, ainda principiantes na arte de enganar o povo, para, se colocarem em posição de vantagem no sistema político do poder, sejam os fundadores desse sistema. Outros mais vividos e experientes, antigas raposas do jogo político, assessorados por novos quadros técnicos, às vezes a serviço em outro poder, em uma completude imoral, criaram um sistema de facilidades para o sucesso parcial de muitos medíocres e desonestos.
Esses tipos que se apresentam travestidos de juristas, de religiosos, de altruístas, de professores, de administradores, em fim de arautos da moralidade, não são apenas ignorantes da Ciência Política incapazes de imaginar as implicações todas do poder, são também desprovidos de valores e princípios éticos, mas de outro lado, são dotados de uma intuição muito aguda das vantagens de se enriquecer as custas do patrimônio público, mediante o amalgama do público e do privado.
À medida que esse tipo de pessoa, com essa forma de atuar, deixa de ser exceção e se torna grande número, as instituições políticas e democráticas ficam estigmatizadas de imoralidade e seu processo criativo deixa de ser considerado por muita gente como uma atividade nobre. Os que sempre optam pela moralização dos costumes políticos vão ficando cada vez mais em minoria, cedendo terreno, desanimando, sendo derrotados ou corrompendo-se também.
Os maiores prejuízos da política inconsistente, individualista e de baixo nível teórico – cientifico são descarregados sobre o povo cada vez mais impotente diante das forças do Estado, das elites que dominam grande parte do poder político e a maior parte do econômico, e dos espertalhões que se prestam ao triste papel de iludir e manobrar as grandes massas de ignorantes e espoliadas.
Em troca de algumas migalhas de vantagens materiais, os carreiristas que prostituem suas consciências para degradar a consciência dos outros não compreendem o quanto são apenas objeto de forças mais poderosas, na disputa pelo poder entre o povo e os governantes de plantão, este gerindo um Estado que longe de servir ao cidadão serve mais a interesses outros e inconfessáveis.
Tal estado de degradação moral a que chegou alguns dos políticos brasileiros, exige da sociedade uma resposta urgente, forte, imediata para expurgos dos maus e permanência dos bons, o que se viabilizará com o exercício da cidadania em ELEIÇÕES LIMPAS.
Por Josivaldo Félix de Oliveira
Juiz de Direito – Professor Universitário – Especialista em Direito Civil