O medo faz o homem, diz uma antigo ditado popular. Mais preciso seria dizer-se que também faz o covarde. Aliás, faz muito mais o covarde, pelo menos mais frequentemente, porque o que faz o homem mesmo é a coragem, essa mercadoria escassa nas lojas de artigos masculinos. Não é de estranhar-se que as mulheres sejam habitualmente mais corajosas do que os homens, e menos mofinas.
Mas, enfim, o medo é o bicho papão de todos os mortais, um sensor que detecta as situações de riscos e de temor, presente até mesmo entre os animais irracionais. Pior : sua presença fragiliza, deprime, afrouxa. Excepcionalmente, assim como acontece também com os animais, aciona outro sensor, o defensivo, o instinto de sobrevivência, que move a reação, quase sempre surpreendente pela sua capacidade de enfrentamento . É exatamente aí onde o medo faz o homem e o homem faz o bicho.
Na Paraíba, em campo político, a fera entre todos é Ricardo Coutinho, o animal, o matador ( para roubar uma expressão do futebol, outra atividade não menos turva ). Ele nasceu desprovido do sentimento do amor e do medo, as duas coisas mais comuns nos homens . Também no amor, as mulheres ganham dos homens. Afinal, em que quesito os homens ganham, se até os animais amam, a seu modo, e alternam também amor e ferocidade ?
Ricardo conquista pelo medo,domina pelo medo e mata pelo medo. É um predador inato, nasceu com essa característica e se alimenta dela. Não saberia agir de outra forma, pois isso faz parte de sua natureza. É o famoso Carcará , grande ave de rapina, sagaz, feroz.
A melhor definição popular de Carcará ( por extensão de RC ) é de Chico Buarque : lá no Sertão/ é um bicho que avoa que nem avião/ é um pássaro malvado/ tem o bico volteado que nem Gavião. E acrescenta : vai fazer sua caçada/ Carcará como inté cobra queimada/ quando chega o tempo da invernada/ o sertão não tem mais roça queimada/ Carcará mesmo sim não passa fome/ os borrego que nasce na baixada… e vem o retrato acabado de RC : …/ Carcará pega, mata e come/…
Maranhão e Cássio têm razões de sobra para ter medo de RC. Já foram vítimas de suas garras e bico e escaparam cambaleantes como o burrego ou borrego de Chico, certamente escabreados para nunca mais brincarem com gaviões. Essa desconfiança hoje funciona com os dois em relação a Luciano Cartaxo, que eles acham que é um bicho desses, ressabiados que estão com o complexo de Gavião que RC lhes implantou no psicológico.
Maranhão e Cássio estão se afinando cada vez mais nos bastidores. Entendem que são agora dois borregos alertados para um só Gavião. RC não pensa em enfrentar os dois juntos e usa a tática dos predadores animais nas savanas : faz de tudo para separá-los a fim de dominá-los, abatê-los e comê-los um por um, pois já os dominou antes com a mesma tática. E se o Gavião não muda na forma de atacar, os borregos têm que mudar na de se defender.
Luciano Cartaxo não tem medo de RC . Perdeu o temor depois que o enfrentou nas últimas eleições na Capital, o território dominial do Carcará , que a RC parecia um espaço vasto e soberano para chamar de seu. Além do mais, RC não voa mais tão longe e tem de se defender de outras vítimas que atacou nesses anos todos de domínio espacial, inclusive amigos e aliados que promoveu a inimigos, vários dentro de suas próprias áreas demarcadas.
Romero vai escapando no lugar montanhoso sobre o qual o Gavião não alça vôo seguro à falta de boa visibilidade e de quem , desprevenido, sirva de ração a Carcará, a não ser Veneziano, que se candidatará ao papel de presa pela segunda vez, correndo riscos de morte calculados, sem outras alternativas para sobreviver. O tempo dirá do erro ou acerto desse Safari no escuro.
Digamos que a lógica do Carcará é encontrar presas soltas, desgarradas dos rebanhos, as quais já demonstrou que pega, domina, mata e come. Nada de mais para uma ave de rapina que vive disso. E qual será a lógica dos bichos, os burregos de Chico Buarque ? Será, pela coragem ou pelo medo, virarem bichos juntos e, pelo ataque ofensivo ou pelo mero instinto de sobrevivência, enfrentarem o predador unidos. Mais valem quatro borregos bravos e vigilantes do que um Gavião solitário em céu deserto, sem companhias leais, e rodeado de inimigos em terra firme.