Ao longo dos anos a relação entre Governo do Estado da Paraíba e imprensa tem sido marcada por embates. De um lado a força do Poder que demonstra insatisfação com as críticas e a fiscalização dos atos e fatos administrativos feitas por profissionais da comunicação. Em lado diametralmente oposto está a imprensa, chamada de quarto poder, de tão importante que é seu papel sobretudo em defesa dos mais humildes em uma sociedade..
Os últimos 8 anos foram marcados na Paraíba por uma gestão estadual que mais perseguiu e processou jornalistas. Nunca, em momento algum, se viu tanto a figura de um governador de estado deixando seus deveres e obrigações , para percorrer os corredores do Fórum Criminal e Fórum Cível, para processar profissionais de imprensa.
A imprensa paraibana tem denunciado nos últimos 9 anos irregularidades que estão sendo comprovadas pelos órgãos de fiscalização , a exemplo do Tribunal de Contas do Estado (TCE), Controladoria Geral da União (CGU), Ministério Público Federal (MPF), Tribunal de Contas da União (TCU), Polícia Federal (PF) e o Gaeco do Ministério Público da Paraíba (MPPB), este último responsável pela investigação da Operação Calvário.
A Operação Calvário é o maior escândalo de corrupção da história da Paraíba, decorrente exatamente a partir da contratação de Organizações Sociais pelo Governo do Estado da Paraíba para administrar Hospitais e UPAs no estado. A imprensa estadual tem grande contribuição nesse e outros casos, pois sempre denunciou e publicou entendimento e posicionamentos de autoridades públicas, a exemplo do Ministério Público do Trabalho, um dos primeiros órgãos a se posicionar contrário a contratação das Organizações Sociais.
Para que a Paraíba não perca a memória o Blog traz um ato realizado na sede da OAB Paraíba, do qual participaram da entrega de um documento denunciando a perseguição do Governo Socialista aos profissionais de imprensa, a então presidente da API, Marcela Sitônio e o ex presidente da Assembleia Legislativa da Paraíba, Gilvan Freire.
VEJA ÍNTEGRA DO DOCUMENTO, PUBLICADO DIA 20 DE JULHO DE 2011 NO CLICKPB :
CARTA DENÚNCIA
“A força do Direito deve superar o direito da força“.
Rui Barbosa
Em 1215, o Rei João-Sem-Terra instituiu a Magna Charta Libertatum, que garantiu, principalmente, liberdades individuais e direitos patrimoniais aos ingleses. Os abusos do governante na Inglaterra já haviam se tornado insustentáveis. O Estado oprimia os súditos, cobrava pesados impostos e praticava detenções arbitrárias. O documento, então, não foi uma benesse real, mas fruto dos protestos e reivindicações realizados pelos governados, especialmente a Igreja e os nobres ingleses.
Embora dirigido muito mais a assegurar os direitos das classes inglesas abastadas, a Magna Charta ficou conhecida por inaugurar na história ocidental a forte tradição de limitação do poder estatal através das leis, isto é, os homens livres só devem obediência ao que é legal e justo. Planta, assim, o germe da ação de Habeas Corpus Act de 1679 ao determinar que ninguém seja forçado ilegalmente à prática de qualquer ato e que os julgamentos devem ser legítimos.
“Nenhum homem livre será detido ou aprisionado, ou privado de seus direitos ou bens, ou declarado fora da lei, ou exilado, ou despojado, de algum modo, de sua condição; nem procederemos com força contra ele, ou mandaremos outros fazê-lo, a não ser mediante o legítimo julgamento de seus iguais e de acordo com a lei da terra”.
Referida fundamentação será mais tarde o núcleo da ideia do chamado Estado de Direito, que submete as ações estatais à legalidade. Em outras palavras, as liberdades individuais limitam o poder do próprio Estado, impondo-lhe o respeito aos direitos dos particulares. Nenhum indivíduo – seja ele um simples jornalista da Paraíba, o governador do Estado ou até mesmo o Presidente da República, está acima da lei. Todos estão sujeitos aos limites impostos pelas normas: constitucional e jurídica e, também, pelo princípio da moralidade.
As Revoluções Modernas, a Revolução Industrial e o Pós-II Guerra Mundial, foram períodos importantes para que os direitos conquistados fossem levantados como bandeiras internacionais, expandidas e reafirmadas em declarações e pactos assinados e/ou ratificados por vários países. Progressivamente, negros, índios, mulheres e outros grupos minoritários passaram a ser reconhecidos como seus titulares. Em vez de classificadas segundo critérios de posição social, as pessoas são tidas como semelhantes e igualmente dignas.
No cenário internacional, coube à Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 difundir as liberdades individuais que alicerçam o Estado de Direito, como a legalidade e os direitos à livre expressão e informação, respectivamente:
Art. 5º. A lei não proíbe senão as ações nocivas à sociedade. Tudo que não é vedado pela lei não pode ser obstado e ninguém pode ser constrangido a fazer o que ela não ordene.
Art. 10. Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei.
Art. 11. A livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei.
Posteriormente, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, documento elaborado em 1948 e assinado, hoje, por cerca de 200 países, do Ocidente e do Oriente, voltou a reafirmar a liberdade de expressão e de comunicação como direitos humanos inalienáveis:
Art. 19. Todo o homem tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios, independentemente de fronteiras.
Os direitos humanos foram incorporados também aos textos da maioria das Constituições modernas. Assim, o artigo 5º e outros, da Constituição Federal de 1988, asseguram à todos, direitos e garantias fundamentais. O princípio da legalidade está previsto no inciso II do art. 5º, e a liberdade de expressão,de imprensa e o direito à informação, estipulados nos incisos II, IV, V, IX e XIV do mesmo artigo 5º e o artigo 220 da CF/88:
(…)
II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
(…)
IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
(…)
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
(…)
XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional.
(…)
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º – Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
§ 2º – É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
Ora, o reconhecimento constitucional dos direitos acima reveste-se da maior importância como garantia de que a República Federativa do Brasil é um Estado Democrático de Direito. E não basta que estejam dispostos na Constituição, é preciso ainda concretizá-los cotidianamente, sob pena de termos um regime de intolerância que culmine com a privação das liberdades essenciais, como aconteceu na Ditadura Vargas.
Nessa perspectiva, a liberdade de expressão (compreendida amplamente como o direito à comunicação de pensamentos, ideias, informações e críticas através ou não da imprensa) possui uma dimensão subjetiva (como direito individual fundamentado em última análise no direito à livre construção da personalidade) e uma dimensão objetiva ou institucional (enquanto instrumento indispensável à democracia com núcleo na liberdade de imprensa). É o que preceitua Paulo Gustavo Gonet Branco:
“”(…) A plenitude da formação da personalidade depende de que se disponha de meios para conhecer a realidade e as suas interpretações, e isso como pressuposto mesmo para que se possa participar de debates e para que se tomem decisões relevantes. O argumento humanista, assim, acentua a liberdade de expressão como corolário da dignidade humana. O argumento democrático acentua que “o autogoverno postula um discurso político protegido das interferências do poder”. A liberdade de expressão é, então, enaltecida como instrumento para o funcionamento e preservação do sistema democrático (o pluralismo de opiniões é vital para a formação de vontade livre)””
Além disso, após as perseguições e atrocidades comandadas por Adolf Hitler e perpetradas por seus subalternos, restou claro que a pessoa humana deve ter seus direitos protegidos onde quer que se encontre. A nacionalidade não seria suficiente, vez que através do abuso da máquina estatal, com o uso da força física ou de ideologias pode um Estado chegar a votar e aprovar leis ou tomar medidas administrativas claramente violadoras de direitos. Foi desse modo que o Estado nazista encurralou e matou cruelmente milhares de judeus, ciganos e simples opositores políticos.
Apesar de todo sofrimento humano a experiência do holocausto serve, ao menos, para aprofundar a democracia, alertando os indivíduos de que a liberdade de impressa, de pensamento e de expressão, são instrumentos indispensáveis para a proteção de direitos há tanto tempo conquistados e normatizados, porém, constantemente violados.
Assim, resultante do cenário posterior à Segunda Guerra Mundial o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, elaborado em 1966 e vigente desde 1976, que foi assinado e ratificado pelo Estado brasileiro prevê em seu artigo 19:
1. Ninguém pode ser discriminado por causa das suas opiniões.
2. Toda a pessoa tem direito à liberdade de expressão; este direito compreende a liberdade de procurar, receber e divulgar informações e ideias de toda a índole sem consideração de fronteiras, seja oralmente, por escrito, de forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo que escolher.
3. O exercício do direito previsto no parágrafo 2 deste artigo implica deveres e responsabilidades especiais. Por conseguinte, pode estar sujeito a certas restrições, expressamente previstas na lei, e que sejam necessárias para:
a) Assegurar o respeito pelos direitos e a reputação de outrem;
b) A proteção da segurança nacional, a ordem pública ou a saúde ou a moral públicas.
A Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica foi ratificada e incorporada ao direito interno do país pelo Decreto nº 678, de 1992. Ela trata das liberdades de pensamento e expressão no artigo 13:
1. Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber e difundir informações e idéias de qualquer natureza, sem considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha.
2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito à censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para assegurar:
a) o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas;
b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.
3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias e meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões.
4. A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2.
5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitamento à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência.
Percebe-se, desse modo, que o tratamento conferido à liberdade de expressão (aqui sempre compreendidos seus vários modos de realização) na Constituição Federal de 1988 e nas convenções internacionais em que o Estado brasileiro é signatário reconhece amplamente seu exercício, vetando qualquer interferência estatal (prévia ou ulterior). As únicas limitações possíveis dizem respeito ao âmbito de proteção dos direitos individuais de outrem (colisão de princípios ou valores constitucionais), à possibilidade de restrição legal à publicidade de bebidas alcoólicas, tabaco, medicamentos e terapias (art. 220, §4º da CF) e ao respeito a valores éticos e sociais da pessoa e da família (art. 220, §3º, 11).
Embora o constituinte não tenha se referido expressamente à proteção da infância e da adolescência como limite à liberdade de expressão (diferente do que ocorre na Constituição Federal Alemã), entende-se que isso pode ser apreendido da interpretação sistemática do texto constitucional, especialmente quando cotejada a liberdade de expressão com a prioridade absoluta inscrita no caput do artigo 227 da CF:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Com efeito é essa a lição de Paulo Gonet Branco:
(…) A liberdade de expressão, portanto, poderá sofrer recuo quando o seu conteúdo puser em risco uma educação democrática, livre de ódios preconceituosos e fundada no superior valor intrínseco de todo ser humano. A liberdade de expressão, num contexto que estimule a violência e exponha a juventude à exploração de toda sorte, inclusive a comercial, tende a ceder ao valor prima facie prioritário da proteção da infância e juventude.
No campo da liberdade de imprensa, o conflito mais comum entre direitos fundamentais corresponde ao interesse público na notícia do fato veiculada versus a honra subjetiva e objetiva do protagonista da notícia. A conclusão pelo excesso na liberdade de expressão pode derivar a responsabilidade civil e penal sobre o jornalista ou qualquer pessoa que comunique fato que caracterize crime de injúria, difamação ou calúnia. A responsabilização, contudo, só pode resultar de decisão final em processo judicial em que a exceção da verdade exclui a ilicitude do ato.
A cultura política, jurídica e social de cada país será determinante na construção desses limites. Nos Estados Unidos, por exemplo, aceita-se tanto a restrição maior à intimidade das pessoas públicas quanto o uso de expressões ou imagens jocosas desde que o fatos noticiados tenham interesse público. Também entende-se que a veiculação de notícias inverídicas não condena à responsabilidade civil e penal o jornalista, se este acreditava na fidedignidade das fontes e dos fatos que lhes foram informados. Na Alemanha, a interpretação do Tribunal Constitucional Federal Alemão reserva alcance menor ao conteúdo da liberdade de imprensa.
No Brasil, O Supremo Tribunal Federal tem ressaltado a relevância institucional da liberdade de imprensa diversas vezes, dando-lhe caráter o mais amplo possível:
“Ninguém ignora que, no contexto de uma sociedade fundada em bases democráticas, mostra-se intolerável a repressão estatal ao pensamento, ainda mais quando a crítica – por mais dura que seja – revele-se inspirada pelo interesse coletivo e decorra da prática legítima, como sucede na espécie, de uma liberdade pública de extração eminentemente constitucional (CF, art. 5º, IV, c/c o art. 220). Não se pode desconhecer que a liberdade de imprensa, enquanto projeção da liberdade de manifestação de pensamento e de comunicação, reveste-se de conteúdo abrangente, por compreender, dentre outras prerrogativas relevantes que lhe são inerentes, (a) o direito de informar, (b) o direito de buscar a informação, (c) o direito de opinar e (d) o direito de criticar. A crítica jornalística, desse modo, traduz direito impregnado de qualificação constitucional, plenamente oponível aos que exercem qualquer atividade de interesse da coletividade em geral, pois o interesse social, que legitima o direito de criticar, sobrepõe-se a eventuais suscetibilidades que possam revelar as pessoas públicas. (…) É importante acentuar, bem por isso, que não caracterizará hipótese de responsabilidade civil a publicação de matéria jornalística cujo conteúdo divulgar observações em caráter mordaz ou irônico ou, então, veicular opiniões em tom de crítica severa, dura ou, até, impiedosa, ainda mais se a pessoa a quem tais observações forem dirigidas ostentar a condição de figura pública, investida, ou não, de autoridade governamental, pois, em tal contexto, a liberdade de crítica qualifica-se como verdadeira excludente anímica, apta a afastar o intuito doloso de ofender. Com efeito, a exposição de fatos e a veiculação de conceitos, utilizadas como elementos materializadores da prática concreta do direito de crítica, descaracterizam o animus injuriandi vel diffamandi, legitimando, assim, em plenitude, o exercício dessa particular expressão da liberdade de imprensa. (…) É preciso advertir, bem por isso, notadamente quando se busca promover, como no caso, a repressão à crítica jornalística, mediante condenação judicial ao pagamento de indenização civil, que o Estado – inclusive o Judiciário – não dispõe de poder algum sobre a palavra, sobre as ideias e sobre as convicções manifestadas pelos profissionais dos meios de comunicação social.” (AI 505.595 Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 11-11-2009, DJE de 23-11-2009.)”
Com relação à permissão para o exercício do jornalismo, o STF compreendeu igualmente inconstitucional qualquer regulação estatal de exigências de qualificação profissional, interpretando o inciso XIII do artigo 5º da CF no sentido de vedar a imposição da educação formal daquele que atua na área:
“O jornalismo é uma profissão diferenciada por sua estreita vinculação ao pleno exercício das liberdades de expressão e de informação. O jornalismo é a própria manifestação e difusão do pensamento e da informação de forma contínua, profissional e remunerada. Os jornalistas são aquelas pessoas que se dedicam profissionalmente ao exercício pleno da liberdade de expressão. O jornalismo e a liberdade de expressão, portanto, são atividades que estão imbricadas por sua própria natureza e não podem ser pensadas e tratadas de forma separada. Isso implica, logicamente, que a interpretação do art. 5º, XIII, da Constituição, na hipótese da profissão de jornalista, se faça, impreterivelmente, em conjunto com os preceitos do art. 5º, IV, IX, XIV, e do art. 220 da Constituição, que asseguram as liberdades de expressão, de informação e de comunicação em geral. (…) No campo da profissão de jornalista, não há espaço para a regulação estatal quanto às qualificações profissionais. O art. 5º, IV, IX, XIV, e o art. 220 não autorizam o controle, por parte do Estado, quanto ao acesso e exercício da profissão de jornalista. Qualquer tipo de controle desse tipo, que interfira na liberdade profissional no momento do próprio acesso à atividade jornalística, configura, ao fim e ao cabo, controle prévio que, em verdade, caracteriza censura prévia das liberdades de expressão e de informação, expressamente vedada pelo art. 5º, IX, da Constituição. A impossibilidade do estabelecimento de controles estatais sobre a profissão jornalística leva à conclusão de que não pode o Estado criar uma ordem ou um conselho profissional (autarquia) para a fiscalização desse tipo de profissão. O exercício do poder de polícia do Estado é vedado nesse campo em que imperam as liberdades de expressão e de informação. Jurisprudência do STF: Representação 930, Rel. p/ o ac. Min. Rodrigues Alckmin, DJ de 2-9-1977.” (RE 511.961, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 17-6-2009, Plenário, DJE de 13-11-2009.)”
O Plenário do STF, na ADPF 130, declarou não recepcionada pela Constituição Federal de 1988 a Lei 5.250/1967 (Lei de Imprensa) em sua integralidade, legislação esta que servia no período da ditadura para cercear a livre circulação das ideias, censurando e perseguindo jornalistas, artistas ou opositores políticos:
“A Constituição reservou à imprensa todo um bloco normativo, com o apropriado nome ‘Da Comunicação Social’ (capítulo V do título VIII). A imprensa como plexo ou conjunto de ‘atividades’ ganha a dimensão de instituição-ideia, de modo a poder influenciar cada pessoa de per se e até mesmo formar o que se convencionou chamar de opinião pública. Pelo que ela, Constituição, destinou à imprensa o direito de controlar e revelar as coisas respeitantes à vida do Estado e da própria sociedade. A imprensa como alternativa à explicação ou versão estatal de tudo que possa repercutir no seio da sociedade e como garantido espaço de irrupção do pensamento crítico em qualquer situação ou contingência. Entendendo-se por pensamento crítico o que, plenamente comprometido com a verdade ou essência das coisas, se dota de potencial emancipatório de mentes e espíritos. O corpo normativo da Constituição brasileira sinonimiza liberdade de informação jornalística e liberdade de imprensa, rechaçante de qualquer censura prévia a um direito que é signo e penhor da mais encarecida dignidade da pessoa humana, assim como do mais evoluído estado de civilização. (…) O art. 220 da Constituição radicaliza e alarga o regime de plena liberdade de atuação da imprensa, porquanto fala: a) que os mencionados direitos de personalidade (liberdade de pensamento, criação, expressão e informação) estão a salvo de qualquer restrição em seu exercício, seja qual for o suporte físico ou tecnológico de sua veiculação; b) que tal exercício não se sujeita a outras disposições que não sejam as figurantes dela própria, Constituição. A liberdade de informação jornalística é versada pela CF como expressão sinônima de liberdade de imprensa. Os direitos que dão conteúdo à liberdade de imprensa são bens de personalidade que se qualificam como sobredireitos. Daí que, no limite, as relações de imprensa e as relações de intimidade, vida privada, imagem e honra são de mútua excludência, no sentido de que as primeiras se antecipam, no tempo, às segundas; ou seja, antes de tudo prevalecem as relações de imprensa como superiores bens jurídicos e natural forma de controle social sobre o poder do Estado, sobrevindo as demais relações como eventual responsabilização ou consequência do pleno gozo das primeiras. A expressão constitucional ‘observado o disposto nesta Constituição’ (parte final do art. 220) traduz a incidência dos dispositivos tutelares de outros bens de personalidade, é certo, mas como consequência ou responsabilização pelo desfrute da ‘plena liberdade de informação jornalística’ (§ 1º do mesmo art. 220 da CF). Não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura prévia, inclusive a procedente do Poder Judiciário, pena de se resvalar para o espaço inconstitucional da prestidigitação jurídica. Silenciando a Constituição quanto ao regime da internet (rede mundial de computadores), não há como se lhe recusar a qualificação de território virtual livremente veiculador de ideias e opiniões, debates, notícias e tudo o mais que signifique plenitude de comunicação.” (ADPF 130, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 30-4-2009, Plenário, DJE de 6-11-2009.)”
De fato, a democracia somente tem a ganhar com a livre circulação das informações. É ela que permite a alternância política e a tolerância democrática.
Qual o ditador que perdurou no poder sem censurar a imprensa? Sem manipulá-la? Fidel Castro? Getúlio Vargas? Saddam Hussein? Todos se valeram da censura à imprensa.
Independente da eficiência do governo, as liberdades individuais e institucionais, dentre estas a liberdade de imprensa, são irrenunciáveis.
Essa é uma necessidade como a história diversas vezes demonstrou. No Chile, por exemplo, nos anos em que Augusto Pinochet comandou o país, houve grande progresso econômico e social. Mas, quantas milhares de pessoas foram silenciadas, presas, torturadas, mortas ou dadas como desaparecidas só porque expressaram suas opiniões? O único a sofrer com a tirania é o povo!
Ora, os fatos que serão narrados adiante são exemplos dessa tirania, da tentativa de tirar do povo o direito de ser informado e, por conseguinte, de propor críticas ao governo, fiscalizá-lo, enfim, exercer a cidadania.
Pelos comentários colhidos no seio da população, é de se presumir que nos novos tempos de “NOVA PARAÍBA“ quem ousar discordar ou provocar as investigações das denúncias sobre corrupção recheadas de práticas, desmandos e erros administrativos, tem sido perseguido e coagido à se calar.
Apenas para ilustrar, é bom lembrar o caso da jornalista Sandra Magali, funcionária do quadro permanente da SECOM, que durante a campanha eleitoral, por intermédio do micro-blog de relacionamento twitter, ousou perguntar à “primeira dama” Pâmela Bório, por quais razões a mesma não teria o filho na Maternidade CÂNDIDA VARGAS, instituição maternal pública tida pela administração municipal como prestadora de serviços médicos e assistenciais de “primeiro mundo”.
Por este fato, ou seja, por essa “ousadia“, ela foi afastada das suas atividades laborais, compelida à ir para casa e penalizada com a proibição de voltar a exercer suas funções no mesmo ambiente onde se encontrava em exercício.
É de se registrar que naquele “episódio”, nenhuma entidade da sociedade sequer se manifestou em sua defesa, e Sandra teve que aceitar o veredicto do PODER da OPRESSÃO e da FORÇA.
Mesmo sabedora da sua coerência profissional no exercício da sua profissão, porém desprotegida de apadrinhamento e sem contar com outra fonte de renda, a mesma teve que se curvar a pressão para “não mais ousar levantar sua voz“, outra vez.
Registre-se, também, que naquele mesmo período a residência do Sr. Domingos, cidadão de 80 anos e pai do jornalista Helder Moura,da TV Correio, foi invadida por supostos fiscais da Justiça Eleitoral sob a “argumentação” de que haviam recebido ordens para executar uma vistoria no seu interior, sem quaisquer especificações e sem qualquer mandado. Pelo visto, não resta a menor dúvida que tal ato se vincula ao fato do mesmo ser pai do referido jornalista.
Posteriormente, colocaram um carro de som em frente à TV Cabo Branco para atacar o empresário Eduardo Carlos, dirigente do Grupo Paraíba que congrega as TV Cabo Branco, TV Paraíba e Jornal da Paraíba, além da cadeia de rádios do sistema Paraíba FM. Qual o crime praticado pelo grupo? As evidências dos fatos, o que existe de concreto é que o Grupo tem procurado fazer jornalismo de compromisso com a verdade, o que, presumivelmente, não tem agradado ao Partido no “PODER”.
Mais uma vez, nenhuma entidade se pronunciou, com certeza, com Temor das represálias, da intolerância e da perseguição.
Na seqüência das perseguições e truculências opressivas, transferiram o jornalista Dagoberto Pontes,que trabalhava há mais de 20 anos em Campina Grande, simplesmente para tirá-lo do programa de rádio onde, a exemplo do Grupo Paraíba, ousava fazer jornalismo combativo dentro das garantias da liberdade profissional de oportunizar espaços para os seguidores da oposição.
A continuidade da sanha da perseguição atingiu, também, o impetuoso e veterano radialista Juarez Amaral, admirado e amado pela sociedade campinense, que há décadas lhe garante a liderança no horário da apresentação do seu programa.
Também não podemos esquecer que nos últimos meses mais casos dessa natureza se reproduziram, dentre os quais uma intimação que foi entregue ao editor Janildo Silva do Portal “ClickPB” por ocupante de uma viatura policial, cujo teor se referia a uma determinação para que o jornalista Clilson Júnior se apresentasse em Delegacia para prestar depoimento. Na verdade tal fato caracteriza abuso de poder e transgressão aos princípios de direito da sociedade, partindo do princípio de que não se pode intimar uma pessoa através de terceiro que nada tem a ver com fato, objeto da intimação. Tal episódio, por si só ilustra com bastante clareza a potencialidade do grau a que se chegou o comportamento da administração governamental.
Outro caso, refere-se ao processo movido pelo Governo do Estado contra o jornalista Rubens Nóbrega, ex-presidente da Associação Paraibana de Imprensa (API) e que atualmente trabalha como colunista político do Jornal da Paraíba, depois que o mesmo denunciou irregularidades graves cometidas pela gestão atual.
Com a posse do novo governo na Paraíba, a gestão estadual começou a monitorar os veículos de Comunicação e, simultaneamente, iniciou um processo de demissões em massa, nele incluindo a demissão de jornalistas que durante a última campanha que não defenderam o nome do atual governante. A represália se reveste de um patrulhamento ideológico que diretamente respingou nas pessoas dos jornalistas Gutemberg Cardoso e Nilvan Ferreira, que foram alijados do SISTEMA CORREIO e SISTEMA ARAPUÃ, literalmente demitidos dos seus empregos, visto que os organismos aos quais os mesmos prestavam serviços se sentiram sufocados e temerários quanto as prováveis suspensões dos pagamentos de verbas publicitárias, razão maior que as fizeram ceder as pressões oficiais.
E não se encerra por aqui. O mais novo caso foi direcionado ao Jornalista e Publicitário Dércio Alcântara, cujo blog foi o primeiro a abrir espaço para o Pastor que questionou as estátuas que a administração municipal de Ricardo Coutinho espalhou por toda a João Pessoa. Na sequência, o mesmo blog também denunciou a transação da Fazenda Cuia, e mais recentemente questionou a permuta do terreno onde funciona a Academia de Polícia – ACADEPOL (do patrimônio Estadual), por um terreno de propriedade do empresário Roberto Santiago, existente no Conjunto Ernesto Geisel, envolvendo as partes: Estado – Instituição Pública / Empresário – Instituição Privada.
Pois bem, pelo caso das estátuas, ainda durante a campanha eleitoral, Dércio foi denunciado à Justiça Eleitoral, que por sua vez determinou a Polícia Federal a abertura de inquérito para apurar toda a história, inclusive a autoria dos panfletos, uma parte encontrados em carro da coligação que elegeu RC, e que circulava na cidade de Campina Grande. Dércio já foi ouvido TRÊS vezes pela Polícia Federal, que é a Polícia competente para investigar crime federal, conforme se enquadram os crimes eleitorais.
Dércio continuou ignorando o medo que calou muitos. Prosseguiu fazendo críticas à administração estadual. Como não encontrou nada mais para atingi-lo, uma vez que não tem emprego público, o governo mandou a Polícia Civil abrir um inquérito paralelo ao que já existia em fase de apuração pela PF. E embora os crimes pipoquem por toda a Paraíba, a grande maioria sem solução, também não se pode ocultar a ida de uma delegada à loja da esposa do jornalista, com direito ao uso de viatura com sirene e toda parafernália intimidatória, para notificá-lo da existência de abertura do novo inquérito, e é claro, recheada de todas as ADVERTÊNCIAS ameaçadoras, no caso de desobediência ao chamamento Policial.
Ora, até quando a liberdade de expressão, de imprensa e o direito à informação, direitos tão antigos, mas ainda tantas vezes transgredidos, vão continuar sendo perturbados?
O exercício do jornalismo não pode ser censurado, limitado ou manipulado. O constrangimento moral imposto aos jornalistas ou a qualquer pessoa que expresse seu pensamento não é assunto privado, mas sim verdadeira afronta ao direito de informar a coletividade, de buscar informações, práticas legitimadas para a manutenção do regime democrático. Tema público, portanto.
Amparados pela Constituição Federal e compromissados com a comunicação da verdade, nós jornalistas e membros da sociedade civil, não podemos nos calar.
Afinal, como disse Edmund Burke“Para que o mal triunfe basta que os bons homens nada façam”. Mais que direito, consideramos dever da imprensa continuar a informar. É esse nosso protesto e esta nossa denúncia.
João Pessoa, 18 de julho de 2011.