A procuradora Marcela de Almeida Maia Asfóra, do Ministério Público do Trabalho, em minucioso e exaustivo parecer de 61 laudas, opinou pelo afastamento de Buega Gadelha da presidência da FIEP ou pela determinação ao Conselho da instituição pelo procedimento para avaliar as causas que justificariam afastar o dirigente do cargo.
“Em face do exposto, opina o Ministério Público do Trabalho pela procedência das pretensões deduzidas no tópico II, letras “b” e “c”, da petição inicial ou, subsidiariamente, do pedido formulado no tópico II, letra “d”, da peça inaugural, nos termos da fundamentação”, opinou a procuradora.
Com o processo inteiramente instruído, com realização de audiência de instrução e julgamento e oitiva de testemunhas, e agora com a emissão do parecer da procuradora do Ministério Público do Trabalho, a ação fica conclusa para sentença do magistrado.
A ação foi ajuizada em dezembro do ano passado por diversos sindicatos patronais da indústria no estado da Paraíba , que pediram o afastamento do presidente da FIEP Buega Gadelha, alegando ausência de requisitos formais para a permanência no cargo (perda da condição de industrial), desvio de finalidade da instituição e malversação patrimonial.
FUNDAMENTAÇÃO DA PROCURADORA
Ao longo de 61 páginas a procuradora discorreu sobre as alegações dos sindicatos autores da ação judicial e encontrou fundamento em diversas temas levantados na inicial.
Os trechos transcritos a seguir são do parecer procuradora do MPT :
DAS AFIRMAÇÕES DE DESCUMPRIMENTO DAS ATRIBUIÇÕES ORDINÁRIAS COMO PRESIDENTE
“Pois bem. Conforme antecipado, os demandantes listaram inúmeras situações que, analisadas em conjunto, na percepção do Parquet Laboral, inserem-se na zona de certeza positiva, revestindo-se de gravidade com aptidão para, senão a incidência do disposto nos art. 530, VII da CLT e art. 38, “b” do Estatuto da FIEP, a convocação de reunião do Conselho de Representantes para deliberar sobre a continuidade ou não do mandato do atual presidente.
DENÚNCIAS CRIMINAIS POR IRREGULARIDADES EM LICITAÇÕES E CONTRATOS DO SESI – PB
“De início, menciona-se a robusta investigação realizada pelo Ministério Público do Estado da Paraíba, que concluiu pelo uso da entidade federativa “(…) para gerenciar distribuição de propinas para empresários favorecidos em licitações no SESI-PB” (Id. b61004d – Pág. 9), lastreando a oferta de denúncias criminais (que foram recebidas pelo Poder Judiciário do Estado da Paraíba)36
.Nessa linha de intelecção, as práticas delitivas atribuídas ao réu na esfera própria, por seu inegável relevo, ajustam-se aos signos de “má conduta” e “grave violação”, empregados pelas normas de regência.
Anote-se que, embora o art. 38, “b”, estatutário estabeleça, como pressuposto das sanções previstas, a intolerável ofensa “deste Estatuto”, as fraudes em contratos e licitações do Sistema “S” narradas na denúncia sob Id. 66af288 satisfazem suficientemente a exigência.
Perceba-se que, conquanto ainda não haja sentença julgando a pretensão punitiva estatal, o recebimento das exordiais pelo Poder Judiciário39 e o vasto suporte documental que as acompanha, possibilitam a destituição do Presidente da FIEP, por diversas ordens de razão.
De fato, a instauração de um processo criminal pauta-se na existência de prova da materialidade delitiva e em indícios de autoria ou participação. Noutro falar, a deflagração da persecução em juízo reclama um lastro probatório mínimo (“justa causa”), indicativo da viabilidade da acusação (art. 395, III, do Código de Processo Penal, a contrario sensu)
.
INTERFERÊNCIA DO PRESIDENTE DA FIEP NO PROCESSO ELEITORAL DA FEDERAÇÃO
“Ressalta-se que todos os atos a seguir analisados foram realizados durante o mandato em curso, cujo início se deu em 25 de setembro de 2019, com previsão estatutária de término em 25 de setembro do corrente ano, conforme se observa da leitura da ata de reunião acostada aos autos do presente processo (id e71f5cb).
Com efeito, em 30.05.2022, foi encaminhada notificação extrajudicial ao Presidente da FIEP, por não ter sido realizada entrega de atas de reuniões, Estatuto da FIEP e regulamento eleitoral, documentos relevantes para a disputa das eleições, solicitados, inicialmente, em 13.04.2022 (Id. 707f0c6).
Em 09.08.2022, foi necessário a chapa de oposição “Renovação e Transparência” ingressar com ação judicial (autos n.o 0000600-43.2022.5.13.0008), com o fim de evitar que o Sr. Francisco Gadelha, enquanto concorrente à reeleição, conduzisse, na condição de presidente, os atos preparatórios do pleito ultimado em fevereiro de 2023. Registre-se, inclusive, que o réu chegou a indeferir o registro da chapa de oposição45 (indeferimento que foi, posteriormente, invalidado por decisão judicial).
O contexto historiado agrava-se em face da exclusão de advogados da reunião havida em 29 de
agosto de 2022 (Id. 6e9aaf2), designada para a escolha dos membros que comporiam a Comissão Eleitoral.
A manobra destoa não apenas dos referenciais coligidos, violando a democracia sindical, mas também das
prerrogativas atribuídas ao advogado (art. 7o, VI, “d”, da Lei n.o 8.906/1994) e da dignidade de que se reveste
o mister advocatício, prestigiada a nível constitucional (art. 133 da CRFB/1988).
É de se destacar que tal situação levou, mais uma vez, ao acionamento da Justiça Especializada, que determinou, nos autos n.o 0000893-92.2022.5.13.0014 (Id. 29ad024), que a FIEP autorizasse “(…) a assistência dos autores por seus patronos em reuniões da Federação, ordinárias ou extraordinárias, ou em diligências profissionais próprias, assegurando a tais profissionais e a seus estagiários todas as prerrogativas garantidas pelo Estatuto da Advocacia (…)”.
INOCORRÊNCIA DE REUNIÕES DA DIRETORIA E DO CONSELHO DE REPRESENTANTES CONFORME ESTABELECIDO NO ESTATUTO SOCIAL
“Afora o exposto, a inocorrência de reuniões ordinárias previstas aos órgãos superiores da federação paraibana das indústrias alinha-se dentre o elenco de causas que contribuem para a destituição do mandatário.
Ora, a reiterada omissão da presidência da FIEP frustra os objetivos declinados, abrindo margem a irregularidades potencialmente (quando não efetivamente) danosas ao patrimônio sindical. Esse cenário desfavorece a coletividade representada, porquanto reduz as fontes de recursos da federação e obsta
a adequada defesa dos interesses/direitos da categoria econômica, à revelia do art. 8, III, da CRFB/1988.
OBSTÁCULOS AO FORNECIMENTO DOS DOCUMENTOS FINANCEIROS DA FEDERAÇÃO
“Ademais, a resistência ao fornecimento dos documentos financeiros da federação (Id. cc1cbb0) tipifica conduta que, em concurso com os demais eventos historiados, habilita senão o afastamento do titular da presidência, a instauração processo administrativo para a apreciação, pelo Conselho de Representantes, sobre a continuidade do mandato.
De fato, o ideal de transparência decorrente das políticas de compliance indispensáveis às federações das indústrias (art. 8o, Parágrafo Único, VII, do Estatuto da CNI) denota o dever de a FIEP franquear aos delegados representantes qualquer suporte documental relacionado às finanças da instituição.
UTILIZAÇÃO DE TRABALHADORES DA FIEP PARA RESOLUÇÃO DE PAUTAS DE INTERESSE PARTICULAR DO PRESIDENTE DA ENTIDADE
“Por derradeiro, a utilização de trabalhadores da FIEP para resolução de assuntos particulares do Presidente (Id. ccc5b7f) robustece a incidência de normas sancionadoras.
Registre-se que ao apropriar-se da força de trabalho da FIEP para fins particulares, o presidente da instituição atenta contra o conjunto de sindicatos patronais reunidos sob os auspícios da federação, vertendo em vantagens pessoais mão de obra que deveria servir à coletividade sindical.
DAS ALEGAÇÕES DE MALVERSAÇÃO DO PATRIMÔNIO SOCIAL DA FIEP
“A petição de ingresso assevera que o Sr. Francisco Gadelha, Presidente da FIEP, “(…) tem se utilizado dos poderes que detém para desviar a finalidade precípua da instituição”, protagonizando “(…) vários escândalos envolvendo desvios de verba e de função” (Id. cdf23f9 – Pág. 9) (destaques no original).
Nesse contexto, os peticionários noticiam “(…) graves denúncias de desvio de recursos do Sistema Indústria Paraíba, que levaram à Representação Criminal pelo Ministério Público Federal (Processo No: 0800764-39.2019.4.05.8300) e à instauração de Representação perante o TCU (TC No 042.852/2018-8) (…)” (Id. cdf23f9 – Pág. 22 e 23).
Os postulantes destacam a prisão temporária do demandado em 2019, no contexto da “Operação Fantoche”, articulada para desvelar um esquema de corrupção que entabulava “(…) contratos superfaturados por meio de convênios com o Ministério do Turismo e entidades do “Sistema S” desde 2002, cujos valores dos repasses tocam o montante de R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais)” (Id. cdf23f9 – Pág. 23) (destaques no original).
No mesmo passo, os autores realçam que, em 2020, o dirigente acionado “(…) se envolveu em mais uma demanda criminal, desta vez na Operação Cifrão – Inquérito Policial no 281/2019 PF/PB; Processo no 0821375-32.2020.8.15.000 (…)” (Id. cdf23f9 – Pág. 23) (destaques no original). A mobilização investigou “(…) superfaturamento de mais de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) em três obras de construção e reforma de Centros de Atividades do SESI, bem como a existência de vínculo entre as empresas contratadas e os dirigentes do Sistema Indústria da Paraíba” (grifos no original).
Dessarte, os relatos de malversação de capitais pertencentes às estruturas do Sistema “S” desautorizam a aplicação do art. 530, II, da CLT ou do art. 38, “a”, do Estatuto da FIEP. A circunstância, entretanto, não infirma a gravidade dos ilícitos, viabilizando, consoante fundamentação do tópico anterior (“II.2.2 Das afirmações de descumprimento das atribuições ordinárias como Presidente”), a destituição do Presidente em razão da “má conduta” apurada (art. 530, VII, da CLT e art. 38, “b”, do Estatuto da FIEP).
DESPESAS COM PASSAGENS AÉREAS
No ponto, os postulantes asseveram que a federação custeou passagens aéreas de “(…) familiares que não integram o quadro de pessoal da entidade (…)” (Id. 792e920 – Pág. 9).
Os dispêndios lastreiam-se nas faturas/duplicatas adunadas sob Id. 3707c6b, que formalizam a prestação de serviços de transporte aeroviário ao Sr. Francisco Gadelha e a membros da família entre 19 de julho de 2021 e 1o de julho de 2022 (ou seja, durante o mandato em curso) e discriminam, na condição de sacada, a Federação das Indústrias do Estado da Paraíba.
De acordo com a defesa, as despesas seriam necessárias, seja porque “(…) é comum o convite para familiares dos representantes das Federações e da CNI para participar de diversos eventos relacionados a pauta da Indústria (…)”, seja porque o mandatário acionado, “(…) em razão da sua condição de saúde e idade avançada necessita de assistência e acompanhamento constante de terceiros (…)” (Id. c5cbecb – Pág.28).
Os argumentos defensivos, entretanto, carecem de razão. Com efeito, em alguns faturamentos, descrevem-se serviços prestados unicamente a parentes do dirigente sindical (Cf. Id. 3707c6b – Pág. 2, 3, 13 e 14), infirmando a tese de que os gastos, correspondentes a R$ 17.867,59 (dezessete mil oitocentos e sessenta e sete reais e cinquenta e nove centavos), associar-se-iam à necessidade de auxílio para a locomoção do Presidente da federação.
DESPESAS COM ASSESSORIA JURÍDICA
“Por derradeiro, os autores sublinham a realização de pagamentos, pela entidade federativa, a “(…) escritórios de advocacia para defender o Sr. Gadelha em processos judiciais nos quais a FIEP não faz parte (…)”.
Os réus ponderaram, em contrapartida, que constituiria prerrogativa do Presidente da federação “(…) a possibilidade patrocinar defesas judiciais e administrativas custeadas pela Federação ou pela própria CNI” (Id. c5cbecb – Pág. 30) sobre fatos relacionados ao cargo, à vista do art. 71-A do Estatuto da CNI.
Com efeito, as notas fiscais e os comprovantes de transferência adunados sob Id. 48c8912
notabilizam transferência de quantia excedente a R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) efetuadas
pela FIEP a ………….. – Advocacia Criminal no primeiro semestre de 2021 (o Id. 48c8912 – Pág. 5, 8, 10, 12 e 15 hospeda comprovantes de operação bancária datados de 07 de janeiro, 10 de fevereiro, 09 de março, 09 de abril e 07 de maio de 2021).
Compulsando-se os autos dos Procedimentos Investigatórios Criminais que instruíram as
denúncias sob os identificadores 66af288 e ff1a107, verifica-se procuração outorgada em 06 de junho de
2020 pelo Sr. Francisco Gadelha, Presidente da FIEP para viabilizar a atuação de sobredito escritório no Inquérito Policial n.o 281/2019 – SR/PF/PB e nos autos n.o 0800874-10.2020.4.05.8201 (busca e apreensão) e n.o 0801402-78.2019.4.05.8201 (quebra de sigilo telefônico e fiscal):