Em manifestação enviada ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), o Ministério Público Federal (MPF) defendeu o recebimento da denúncia contra o governador de Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja. Em 2020, ele foi acusado pelo MPF pela prática dos crimes de organização criminosa, corrupção e lavagem de dinheiro. De acordo com a denúncia, os fatos ocorreram entre 2014 e 2016, em um esquema de corrupção que envolveu o recebimento de R$ 67 milhões em propina por Azambuja e outros denunciados. Como contrapartida, os agentes públicos garantiram isenções fiscais e benefícios ao grupo empresarial JBS em valores que ultrapassam R$ 209 milhões.
Na manifestação, a vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, rebate os argumentos da defesa contra a denúncia e reitera os argumentos apresentados na peça de acusação. Ela ressalta que o momento processual exige juízo de probabilidade a respeito dos fatos narrados na denúncia e não se revela necessária a constatação de um juízo de certeza por não se tratar de sentença condenatória. “A admissibilidade da denúncia do Ministério Público Federal pauta-se em standard que não supera a probabilidade quanto às práticas delitivas imputadas ao denunciado”, frisa.
O primeiro ponto analisado pela vice-PGR é o argumento de que a competência para a apuração dos fatos seria a Justiça Eleitoral, tendo em vista que o esquema começou em 2014, quando Azambuja ainda era candidato ao governo do estado. Para ela, o argumento não deve ser acolhido. Araújo destaca que o denunciado também foi acusado de integrar organização criminosa, delito permanente, sendo que “seu momento consumativo se elastece no tempo, enquanto não cessada a atividade criminosa”.
De acordo com os autos, a conduta voltada à manutenção da sociedade criminosa perdurou quando Azambuja já tinha sido eleito governador. A vice-PGR acrescenta que as ações de lavagem de dinheiro também foram praticadas no exercício do mandato e têm vínculo estreito com as funções desempenhadas pelo chefe do Executivo de MS, inclusive com a utilização da estrutura da Administração Pública.
Provas – Em resposta ao argumento da defesa de que a denúncia é pautada unicamente na palavra do colaborador, a vice-PGR destaca que as hipóteses criminais foram comprovadas ao longo de toda a tramitação do Inquérito 1.190/DF, “contribuindo para a deflagração de diversas medidas cautelares probatórias e mesmo patrimoniais”. Segundo Lindôra Araújo, o argumento não merece destaque em razão dos diversos elementos constantes da peça de acusação, desde a sensibilização de sinais de ERBs até transações financeiras e bancárias que demonstram o fluxo dos recursos patrimoniais que foram recebidos durante o mandato de Reinaldo Azambuja.
Para exemplificar essas provas, a vice-PGR cita na manifestação trechos que demonstram, de forma clara, os ajustes criminosos e as diversas transferências bancárias realizadas no período investigado. Lindôra Araújo defende que afirmar que os fatos estão unicamente pautados nos depoimentos dos colaboradores, “além de ser patentemente temerário, configura verdadeira tese insuscetível de encontrar guarida nas informações constantes nos presentes autos”.
Em outro trecho do parecer, a representante do MPF aponta que a partir de dados obtidos com o afastamento do sigilo telefônico dos investigados foi possível comprovar a articulação de Azambuja com os demais membros da organização criminosa, confirmando seu papel de liderança do grupo investigado. A peça ainda relata que eram frequentes e permanentes os contatos do governador com os pecuaristas responsáveis pela emissão de documentos ideologicamente falsos que serviram para “lavagem” dos ativos, a corroborar a vinculação direta de Azambuja com o esquema criminoso.
Para a vice-PGR, os requisitos de estabilidade e permanência, inerentes ao tipo penal organização criminosa, estão demonstrados de forma satisfatória, além de indicar que Reinaldo Azambuja comandava a organização criminosa, pois todos os eventos eram comunicados e compartilhados com o governador de Mato Grosso do Sul.
Por fim, a manifestação do MPF destaca que todas as circunstâncias apresentadas, tomadas em conjunto, “permitem a conclusão de que as movimentações financeiras praticadas pelos denunciados, notadamente aqueles envolvidos com a Orcrim em comento, ocorreram com o objetivo de ocultar e dissimular a origem dos valores recebidos a partir da prática dos crimes de corrupção narrados na denúncia”.
Outros denunciados – O Ministério Público Federal não se manifestou em relação aos demais denunciados em razão do desmembramento da ação penal, que manteve na Corte Especial do STJ apenas as investigações relativas ao governador de Mato Grosso do Sul em função do foro por prerrogativa de função.
Íntegra da manifestação na Ação Penal 980