Os resultados das Operações da Polícia Federal contra ações supostamente criminosas na compra de respiradores no enfrentamento a pandemia começam a surgir. Em Recife um ex-secretário de saúde e mais cinco pessoas foram denunciadas pelo Ministério Público Federal por supostos crimes relacionados a licitação para compra de respiradores.
DIRECIONAMENTO E DESVIOS DE RECURSOS – O Ministério Público Federal (MPF) ofereceu, à Justiça Federal, denúncia contra seis pessoas no âmbito da Operação Apneia, deflagrada em maio do ano passado para investigar possível direcionamento e desvio de recursos do Sistema Único de Saúde (SUS). A denúncia trata sobre contratação, por parte do município do Recife, da microempresa Juvanete Barreto Freire (Brasmed Veterinária) para o fornecimento de ventiladores pulmonares (respiradores) para o enfrentamento da pandemia de covid-19. Essa é a primeira oferecida em decorrência da operação.
São alvos da ação, assinada pela procuradora da República Silvia Regina Pontes Lopes, o ex-secretário de Saúde do Recife Jailson de Barros Correia, o ex-diretor executivo de Administração e Finanças da Secretaria de Saúde do município Felipe Soares Bittencourt e a ex-gerente de Conservação de Rede da Secretaria de Saúde do Recife Mariah Simões da Mota Loureiro Amorim Bravo, bem como os empresários Juarez Freire da Silva, Juvanete Barreto Freire e Adriano César de Lima Cabral.
Os denunciados são acusados da prática dos crimes de dispensa indevida de licitação (atribuída a todos), peculato (Jailson de Barros Correia, Felipe Soares Bittencourt, Mariah Simões da Mota Loureiro Amorim Bravo, Juarez Freire da Silva e Juvanete Barreto Freire) e crime contra a ordem tributária (Juarez Freire da Silva e Juvanete Barreto Freire). O MPF também requer que a Justiça Federal decrete a perda de eventual cargo público exercido pelos denunciados, bem como o pagamento de indenização para reparação dos danos morais e/ou patrimoniais causados.
A Juvanete Barreto Freire (Brasmed Veterinária), especializada em produtos veterinários e aberta poucos meses antes dos processos licitatórios, foi contratada por meio de duas dispensas de licitação para o fornecimento de 500 respiradores, realizadas em caráter emergencial e fundamentadas na Lei Federal nº 13.979/2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente da pandemia. O valor total dos contratos foi de R$ 11,5 milhões, embora o faturamento anual da microempresa perante a Receita Federal fosse de R$ 50 mil. A empresa também não demonstrou capacidade técnica e operacional para o fornecimento dos ventiladores.
Dispensas indevidas – As investigações apontaram que Jailson Correia, Felipe Soares Bittencourt e Mariah Simões dispensaram os processos licitatórios indevidamente, possibilitando o desvio de verbas do SUS mediante a aquisição de ventiladores pulmonares sem a devida certificação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), embora tivessem ciência da irregularidade dos equipamentos.
Em resposta a ofício enviado pelo MPF, a Anvisa reforçou, no ano passado, que a Juvanete Barreto Freire não possuía Autorização de Funcionamento de Empresa (AFE), ou pedido de AFE referente à realização de atividades com produtos para saúde. Além disso, informou que, quanto ao ventilador pulmonar “BR 2000”, fornecido pela Juvanete e fabricado pela Bioex Equipamentos Médicos e Odontológicos, não existia autorização para sua fabricação e comercialização no país, tampouco para utilização em humanos.
O MPF destaca que a escolha da Juvanete teria ocorrido de forma ilícita, antes mesmo da deflagração dos processos de dispensa, especialmente levando em conta a elaboração dos “Relatórios Descritivos das Razões de Escolha do Fornecedor”, documentos que foram datados 23 dias após a efetiva escolha da empresa, que inclusive já tinha recebido o pagamento referente a um dos contratos.
Com relação a Adriano César de Lima Cabral, representante local da Juvanete Barreto Freire, o MPF argumenta que o denunciado viabilizou os processos de dispensas indevidas de licitação não só representando a microempresa em todas as fases, mas também assinando os contratos administrativos decorrentes, mesmo tendo plena ciência de que os equipamentos fornecidos não possuíam certificação da Anvisa, bem como que a Juvanete Barreto Freire estava, na verdade, substituindo ilegalmente a verdadeira fornecedora dos produtos, a Bioex Equipamentos Médicos e Odontológicos.
Na denúncia, a procuradora da República argumenta que “embora a Lei nº 13.979/2020 tenha simplificado os critérios para contratações de bens e serviços para enfrentamento da pandemia de covid-19, em tal lei não se observa qualquer autorização para que o gestor público contrate empresa que não se adeque às especificações técnicas constantes do próprio introdutório do processo de dispensa”. O MPF destaca também que, um dia após a deflagração ostensiva da Operação Apneia, a Prefeitura do Recife rescindiu, de forma repentina, os contratos administrativos com a Juvanete, sem aplicação de multa ou qualquer tipo de sanção à empresa contratada.
Desvio – Embora tenha sido viabilizado o pagamento de 50 unidades do ventilador pulmonar, inclusive com recebimento atestado por Mariah Simões, constatou-se que só foram adquiridos e posteriormente devolvidos à Juvanete a quantia referente a 35 equipamentos. De acordo com o MPF, a prática demonstrou o pagamento extra de 15 respiradores, caracterizando o desvio de recursos do SUS no valor de R$ 322,5 mil, em benefício de Juarez Freire da Silva, administrador do grupo empresarial Brasmed, e de Juvanete Barreto Freire, sócia titular da empresa contratada. Segundo a denúncia, ambos emitiram nota fiscal falsa, contendo número de equipamentos superior ao efetivamente entregue.
Crimes contra a ordem tributária – Conforme a denúncia do MPF, as apurações indicaram que Juarez Freire e Juvanete Barreto constituíram e colocaram em pleno funcionamento a empresa Juvanete Barreto Freire (Brasmed Veterinária) visando a evitar o pagamento de tributos mediante fraude, uma vez que as verdadeiras fornecedoras dos produtos vendidos pela Brasmed estavam impossibilitadas de contratar com o poder público, seja devido a débitos fiscais ou por razão de bloqueios judiciais. De acordo com análise da Controladoria-Geral da União (CGU), a soma dos débitos do grupo empresarial chega a quase R$ 10 milhões.
Ainda segundo a denúncia, além de possibilitar fraudes no que diz respeito à responsabilização das demais empresas, em especial a Bioex Equipamentos Médicos e Odontológicos, bem como permitir a sua contratação ilegal, por parte do poder público, a Juvanete Barreto Freire (Brasmed Veterinária) foi constituída visando, ainda, a obter maiores benefícios fiscais em relação às demais empresas do grupo. Conforme reforça o MPF, a Juvanete foi instituída inicialmente sob o regime de microempresa, com taxação simplificada e possibilidade de adesão ao Simples Nacional.
O MPF reforça que ainda investiga, no âmbito da Operação Apneia, a possível prática de outros delitos por parte dos investigados.