A Procuradoria Geral Eleitoral emitiu na última sexta feira, parecer pedindo a cassação de mandato do governador da Paraíba, Ricardo Coutinho, no Tribunal Superior Eleitoral, na chamada Aije da Pbprev. A PGR reconheceu a gravidade da conduta de abuso de poder político com consequência econômica, do chefe do Executivo utilizando-se do órgão estatal para liberar pagamentos de retroativos a pensionistas e aposentados, de forma alarmante e desenfreada, para colher benefício eleitoral. O parecer pede, que o TSE proceda a cassação dos mandatos do governador e da vice, Lígia Feliciano, além da inelegibilidade de ambos por período de 8 anos.
O Blog teve acesso ao parecer assinado pelo Vice-Procurador-Geral Eleitoral, Humberto Jacques de Medeiros, e passa a detalhar os fundamentos e razões, que levaram a PGR a considerar as condutas praticadas nas eleições de 2014, a utilização da PBPrev como abuso de poder político, com consequência econômica, e com a gravidade exigida para cassação de mandato, inelegibilidade e multa.
Obs : trechos em negrito, extraídos na íntegra do parecer do Vice-Procuradoria-Geral-Eleitoral
DECISÃO DO TRE-PB DEVE SER REFORMADA, POIS FUNDAMENTO NÃO AFASTA O ABUSO DE PODER POLÍTICO PRATICADO NAS ELEIÇÕES DE 2014
Inicialmente a Procuradoria Geral Eleitoral alerta que os fundamentos do Tribunal Regional Eleitoral , quando da decisão de absolver o governador e a vice, julgando improcedente a Aije da Pbprev, não merecem prosperar, pois não correspondem a realidade dos fatos, nem afastariam a configuração do ilícito praticado na campanha eleitoral de 2014.A tese de afastar o abuso de poder político em razão de o interesse privado/eleitoreiro ter aderido ao interesse público foi rebatido categoricamente pela PGR. Pois uma conduta pode ter aparente normalidade, beneficiar grupos coletivos, mas ter interesse de beneficiar claramente uma determinada candidatura.
TRECHO DO PARECER :
“Como é possível observar, a própria Corte Regional reconhece ter havido a utilização da máquina pública em prol da candidatura dos recorridos, afastando a configuração do abuso de poder político em razão de o interesse privado/eleitoreiro ter aderido ao interesse público, em sua visão.
Ora, tal fundamento, além de não corresponder à realidade dos fatos, não é apto a afastar a configuração do ilícito. Como destaca José Jairo Gomes, à luz da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, o abuso de poder político também pode se configurar a partir de um ato aparentemente “regular e benéfico à população”.
Em outras palavras, não é o caráter (aparentemente) lícito ou ilícito do ato administrativo o elemento-chave a determinar a configuração do abuso de poder político, mas sim a sua utilização de modo tendencioso, de forma desbordada e excessiva, com vistas a privilegiar determinada candidatura.
Quanto a isso, restaram claramente comprovadas tais características no caso concreto. Apesar de as condutas imputadas aos recorridos serem aparentemente benéficas à sociedade, as provas produzidas nos autos indicam que foram indubitavelmente praticadas com o fim precípuo de favorecer a candidatura do recorrido Ricardo Coutinho, com a liberação da vultosa quantia de R$ 7.298.065,90 (sete milhões, duzentos e noventa e oito mil, sessenta e cinco reais e noventa centavos) durante o período crítico do processo eleitoral, contrariando proibição para o pagamento de retroativos oriunda do Conselho de Administração da Paraíba Previdência, fato ocorrido à míngua da exigida normatização”
EM APENAS 45 DIAS NAS ELEIÇÕES DE 2014 A PBPREV DEFERIU 800 PROCESSOS, QUANTIDADE DOS TRÊS ANOS ANTERIORES SOMADOS
Levando-se em consideração que um dos fundamentos do Ministério Público Eleitoral para pedir a cassação de mandato do governador e da vice, era a comparação do que foi pago pela Pbprev em 2014, em relação aos três anos anteriores, 2011, 2012, e 2013. Segundo dados levantados pelo MPE o número de processos pagos em apenas 45 dias nas eleições de 2014 foi igual ao dos três anos somados “somados tais números, verifica-se terem sido deferidos mais de 800 (oitocentos) pagamentos retroativos, em poucos mais de 45 (quarenta e cinco) dias, o que corresponde quase a mesma quantidade de pagamentos de retroativos deferidos nos primeiros 36 (trinta e seis meses) da gestão de Ricardo Coutinho. A defesa do governador ainda alegou que em 2015 foram pagos R$ 12,9 milhões, o que não foi surpresa nenhuma para a Procuradoria Geral Eleitoral, afinal, de posse de documentos do Tribunal de Contas do Estado, ficou constatado que os processos deferidos em 2014, em plena campanha campanha eleitoral, foram pagos em seis parcelas, portanto os pagamentos ocorreram também no ano de 2015, com influência financeira no que foi pago em 2015, o que derruba a tese da defesa.
TRECHO DO PARECER :
“Demais disso, ao afirmar que o volume de recursos pagos no ano de 2014 se encontrava dentro da normalidade, a Corte Regional utilizou como parâmetro o ano de 2015 – no qual teriam sido pagos R$ 12.739.937,60 (doze milhões, setecentos e trinta e nove mil, novecentos e trinta e sete reais e sessenta centavos) a título de benefícios retroativos –, justamente o ano em que foram pagos os benefícios deferidos em setembro e outubro de 2014, eis que deferidos de forma parcelada (em seis parcelas), como informado pelo Tribunal de Contas do Estado (mídia de fl. 1.874).
É dizer: parte considerável dos recurso pagos em 2015 diz respeito aos pagamentos deferidos em 2014, objeto dos presentes autos. Cite-se, por oportuno, trecho do recurso ordinário do Ministério Público Eleitoral que bem explicita a questão (fl. 2.780):
Esses retroativos eram pagos parceladamente, sendo a quase totalidade em 6 parcelas, como se vê das informações do TCE contidas na mídia de f. 1874. Assim, se foram pagos 3 milhões antes das eleições, após as eleições esse mesmo pagamento de 3 milhões deveria se repetir em relação às demais parcelas de benefícios concedidos antes das eleições. Logo, os 4 milhões pagos após as eleições correspondem quase que totalmente a parcelas de procedimentos
deferidos antes das eleições. Como eram 6 parcelas e os pagamentos começaram entre setembro e outubro, as parcelas se seguiram até pelo menos março de 2015, motivo pelo qual grande parte dos valores pagos após as eleições, ainda
em 2014, e no ano seguinte, ou seja, em 2015, ainda correspondiam a procedimentos deferidos durante o microprocesso eleitoral.
Logo, não impressiona a informação da defesa ao argumentar que em 2014 foram pagos pouco mais de 7 milhões, enquanto em 2015, 12 milhões, pois grande parte desses valores correspondem justamente às parcelas pendentes dos
retroativos deferidos durante o microprocesso eleitoral de 2014, as quais se estenderam durante o ano de 2015.
CONFIGURAÇÃO DA GRAVIDADE DOS FATOS ART. 22, INCISO XVI LEI 64/90 – INTRODUZIDO PELA LEI FICHA LIMPA 135/2010
O requisito da gravidade da conduta , é sem dúvida um íten nevrálgico na apreciação do Acórdão do TRE-PB , que julgou improcedente o pedido de cassação de mandato do governador e da vice governadora, por abuso de poder político com consequência econômica, nas eleições de 2014. Antes de 2010 a lei se referia ao aspecto da potencialidade da conduta em desequilibrar o pleito em favor de uma das candidaturas, mas a partir da Lei Ficha Limpa 135/2010 , foi considerada a gravidade das circunstâncias, conforme artigo 22, inciso XVI, da Lei 64/90. O TRE-PB entendeu não haver gravidade na conduta na utilização da Pbprev com fim eleitoreiro no microprocesso eleitoral, cujas provas estão descritas no parecer da Procuradoria-Geral-Eleitoral.
TRECHO DO PARECER :
Acerca da configuração do requisito da gravidade dos fatos, a jurisprudência desse Tribunal Superior entende que ele estará presente sempre que houver ofensa aos “cânones fundamentais da igualdade de chances e da legitimidade
e normalidade do prélio eleitoral
Ademais, deve-se ter em vista que “o fato de as condutas supostamente abusivas ostentarem potencial para influir no resultado do pleito é relevante, mas não essencial. Há um elemento substantivo de análise que não pode ser negligenciado: o grau de comprometimento aos bens jurídicos tutelados pela norma eleitoral causado por essas ilicitudes, circunstância revelada, in concreto, pela magnitude e pela gravidade dos atos praticados.
Consequentemente, incide ao caso o disposto no art. 22, XIV e XVI, da Lei Complementar nº 64/90, impondo-se a reforma do acórdão proferido pelo Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba, para que sejam cassados os diplomas dos recorridos Ricardo Vieira Coutinho e Ana Lígia Costa Feliciano, bem como decretada a inelegibilidade recorridos Ricardo Vieira Coutinho e Severino Ramalho Leite.
Do quanto já exposto, alguns fatos merecem especial atenção, a revelar especial gravidade:
a) entre 10 de setembro de 2014 e 4 de outubro de 2014, foram publicados 519 (quinhentos e dezenove) atos de deferimento no Diário Oficial, dos quais 205 (duzentos e cinco) na véspera e antevéspera do primeiro turno (3 e 4 de outubro de 2014);
b) entre o primeiro e o segundo turnos – 08 a 22 de outubro de 2014 –, foram publicados mais 420 (quatrocentos e vinte)
deferimentos;
c) em apenas dois meses, chegou-se a uma montante global de 939 (novecentos e trinta e nove) deferimentos;
d) foi constatada a antecipação do pagamento da remuneração do pessoal ativo e inativo para 24 de outubro de 2014, dois dias antes do segundo turno (grande parte dos retroativos pagos em folha), sem justificativa objetiva de interesse público, quando a data normal seria após o pleito;
e) foram pagos mais benefícios retroativos (mil seiscentos e cinquenta e oito) a partir de setembro de 2014 do que nos três
primeiros anos da gestão do recorrido Ricardo Coutinho à frente do governo estadual, em um valor total de R$ 7.298.065,90 (sete milhões, duzentos e noventa e oito mil, sessenta e cinco reais e noventa centavos).
PAGAMENTOS DA PBPREV FORAM FEITOS NA FOLHA DE OUTUBRO, DIA 24 , DOIS DIAS ANTES DO 2º TURNO
Não bastasse a ordem para liberar o máximo de pagamentos que pudesse no período eleitoral ( foram 939), quantidade igual a dos três últimos anos do Governo RC ( 2011/ 2012 e 2013), outras diversas novidades ocorreram para garantir o uso do órgão público com fim eleitoreiro, segundo o parecer da Procuradoria-Geral-Eleitoral. Um das novidades foi a de que os pagamentos, naquele mês de outubro de 2014, cujo 2º turno seria no dia 26, houve a ordem para pagamentos de retroativos da Pbprev a aposentados e pensionistas, na folha do mês , que excepcionalmente foi antecipada para o dia 24 de outubro, o que nunca existiu até hoje e todos os sete anos de Governo.
TRECHO DO PARECER :
No caso concreto, como já referido, efetuou-se o pagamento de benefícios previdenciários retroativos a 939 (novecentos e trinta e nove) pessoas, no período mais crítico do processo eleitoral, em setembro e outubro de 2014, cabendo rememorar que foi antecipado o pagamento da remuneração do pessoal ativo e inativo para 24 de outubro de 2014, dois dias antes do segundo turno, sem qualquer justificativa plausível.
Tal conduta teve o condão de comprometer a paridade entre os candidatos, prejudicando-se a normalidade e a legitimidade do pleito, mormente se for levado em consideração o volume de recursos utilizados em sua prática, que superam a quantia de sete milhões de reais.
Segundo o recorrido Severino Ramalho Leite, uma das razões da guinada administrativa da Paraíba Previdência foi “a necessidade de atender o apelo do grupo ocupacional do magistério, manifestado por sua entidade de classe”,
consoante se infere do Memorando de fls. 1.632-1.633.
Vê-se, pois, que a medida visava a beneficiar não apenas um dos grupos mais numerosos de servidores públicos, mas também aquele que possui o maior potencial de formação de opinião, o que aumenta o seu efeito multiplicador.